terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Recife Envergonhado

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Texto: João Valadares, para o PE Body Count
Foto: Alexandre Gondim/JCimagem



Alcides não acontece todos os dias. É símbolo. Desses que não são inventados. Daqueles que orgulha, que faz todo mundo repensar a vida, as oportunidades, os acertos, os erros. Alcides é história boa, daquelas que enche um livro inteiro, que faz a gente querer contar todos os detalhes para o taxista, o porteiro, os colegas de trabalho, para todo o mundo.

Morador da Vila Santa Luzia, na Torre, filho de uma ex-carroceira, tirou fino da miséria e passou no vestibular de Biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Passou bem. Foi primeiro lugar entre os alunos das escolas públicas. Não fazia outra coisa. Só estudava e frequentava o grupo jovem da Igreja da Torre. Deixou a mãe louca de felicidade. E a Vila Santa Luzia também. As mães de lá ganharam um rosto para mostrar aos filhos. "Tá vendo aquele ali. Passou no vestibular."

Aos 22 anos, Alcides ganharia o diploma em setembro. Iria fazer mestrado e depois doutorado. Mas ele morava no Recife. Foi o bastante para levar dois tiros na cabeça. Estava estudando à 1h da sexta-feira. Arrastado de casa por dois homens numa moto. Morreu na frente da mãe e das três irmãs. Queriam matar outro.

Encontrei com a mãe dele, dona Maria Luiza, hoje pela manhã. Ainda estava vestida de orgulho, com o jaleco branco do filho. Faltava bem pouquinho para ela dizer ao mundo que era mãe de um biomédico. Pouquinho para dizer que não era mais uma. Contou todo o sofrimento. Disse que ainda se agarrou com os assassinos. Mas não teve jeito. Conseguiu evitar apenas o terceiro tiro. Os dois primeiros já haviam interrompido o seu maior sonho. Maria Luiza voltou a ser mais uma. Hoje é 8 de fevereiro e 386 mães choraram, apenas neste ano, a morte de um filho.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Os Meninos Perdidos

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A letargia

Quem nunca viu um cheira-cola? Garotos cujas almas são dominadas pelo vício a uma substância aparentemente tão inofensiva quanto a cola de sapateiro? Eles andam pelas ruas, a esmo, sem rumo algum. Esbarram nas pessoas, praticam furtos, passam fome largados no meio da cidade. Essas crianças crescem, mortas de fome, mortas de dignidade. Tornam-se futuros adolescentes marginais, se é que o vício já não acabou com eles antes disso. Quando não, entram em outros vícios, mais pesados, mais caros e difíceis de conseguir. Por isso, a marginalidade se torna caminho para eles.
Antigamente, só eram meninos. Parecia ser uma condição exclusiva do sexo masculino virar cheira-cola. Mas hoje, o número de meninas que "entram nessa" aumentou bastante. Vivem em bandos, alcatéias famintas e sem mente, cabeça na lua, garrafinha de cola presa nos dentes. A passos lentos, tontos, seguem entre nós, fantasmas bem vivos, ou talvez apenas meio mortos.

A estética
A cidade é tão suja quanto eles. Ou será o contrário? Tanto faz, para eles não faz, não fará diferença. Só são notados quando uma bolsa, uma carteira, some de vista, levando o dinheiro suado do cidadão. Na verdade, nem precisa sumir nada: basta que se aproximem. Por acaso ou intencionalmente, a simples visão de um só cheira-cola para que o terror se instaure em nossos ossos. É como se aquele ser mirrado, maltrapilho, sujo, fosse uma besta selvagem, a mais temível criatura urbana que poderia cruzar nosso caminho. Medo. Um medo estranho, irracional, de algo que às vezes é tão pequeno. Estranho como medo de aranha, mas daquelas aranhas translúcidas de tão pequenas.
Eles vagam como animais, às vezes solitários, às vezes em grupo. Eles vagam com animais, tão sujos quanto eles, geralmente um cão de rua, vira-lata tal e qual: doente, faminto, podre. Quando se vê um grupo desses garotos, a impressão que dá é que os animais que vão com eles são mais alegres, mais vívidos, que seus "donos". Pobre pensamento: pensar neles como donos de alguma coisa quando não são nem mesmo donos de si. Até o olhar não é deles: salta sem nexo pelo ar, busca um horizonte que não se revela, perscrutam o que não existe. Só existe neles a próxima garrafinha para encher com cola de sapateiro. Antes fossem garrafas de água mineral, como o formato delas denuncia que um dia foram. Nem mesmo o ar que respiram é deles. É da cola, só a cola. Cola neles.

A tristeza
Triste é ver que são tantos e tantos, uma soberba, ocupando os espaços das ruas e calçadas, junto com pais que tem tanta esperança quanto eles de sairem de uma vida perdida. Miséria, dor e nada além do sono, não necessariamente tranquilo e nem um pouco confortável, a servir de remédio para seus pesadelos reais de quando estão acordados. Esses meninos perdidos nunca conheceram Peter Pan. É certo que nunca vão conhecê-lo. Já perderam até aquilo que faria alguém chamá-los de meninos. São apenas cheira-colas.

Futebol Pernambucano = Pelada de Domingo

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Assistir aos jogos do Campeonato Pernambucano de Futebol tem sido uma tortura de alto nível. Há tempos não via um estadual tão ruim como este de 2010. As partidas são verdadeiras peladas, futebol de quinta categoria, digna, talvez, daquele campinho de várzea (ou no society), onde o lema é jogar descompromissadamente com os amigos, no melhor estilo Rockgol MTV. Gols que saem pela pura sorte (ou azar, depende do ponto de vista) do jogador. Lances que são verdadeiras lutas de arena, mas que a arbitragem (e os comentaristas...) chamam de jogo de corpo, ou qualquer outro clichê.

A reconstrução do Santa Cruz
O Santa Cruz até que tenta. Contratrou muita gente, chamou técnico novo... Mas como se pode ver após sete rodadas, o Santa vai de mal a pior. Perdeu os dois últimos jogos pelo placar de 3x1, perdeu os dois clássicos do primeiro turno e, antes vice-líder, já caiu para a sétima colocação. E ainda carece de um jogador marcante. No mínimo, triste. Nem sei como a torcida ainda se esforça em comparecer aos jogos...


O (re)embalo do Náutico

O Timbu manteve a (mais nova) tradição de começar o Pernambucano perdendo... Mas se recuperou, também armou-se de novos atletas, mas tem feito um trabalho mais contínuo, mais orientado, para manter-se bem no campeonato. Claro que ainda tem a lástima de depender - e muito - de Carlinhos Bala. Mas melhor ter ele no time dando uma de Bombril (só falta jogar na zaga!) do que nada.

O blasé do Sport
Rubro-negros felizes com a liderança (especialmente depois de fazer 3x1 em cima do Santa nos 96 anos do clube tricolor), além da invencibilidade e do aproveitamento de 80% (fonte: globoesporte.com). Mas convenhamos, o Sport está justamente entre os mais (com o perdão da palavra) cagados no estadual! Boa parte dos gols que tem feito são lances de (muita) sorte, intercalados, vez por outra, por um gol de verdade, suado, bem feito. Está bem na tabela,mas também vai mal das pernas. Vitórias sem emoção. No plantel, perdeu Durval antes do campeonato começar e trouxe de volta Ciro ao estrelato. Falando nele...

A terapia de Ciro
Alguém mais além de mim está vendo que o Pernambucano 2010 está servindo de terapia para Ciro? Certo, o cara tá com o preparo físico em dia, deve ter treinado e colocado a cabeça no lugar após o fiasco de 2009, depois da eliminação na Libertadores... Mas querer comparar o futebol pernambucano ao nível nacional são outros quinhentos! Essa "volta" de Ciro está mais para um "vamos fazê-lo acreditar que está em ótima fase, encarando timecos do próprio estado, para que ao menos tenha chance de chegar ao Brasileirão se achando um grande jogador". Ciro quase caiu de tanta pressão sobre ele ano passado. Se o Sport - e a torcida - exagerar de novo, talvez não haja uma segunda vez, e um grande talento jovem pode se tornar um peso morto para o time. Basta lembrar todas as firulas que o Sport fez ano passado sobre a venda do craque, bolando cada vez mais e no final, quando começou a queda, ninguém queria mais pagar um centavo que fosse por Ciro. Falando em queda...

A "ascensão" do interior (ou a crise da capital)
Todos estão falando numa alta do futebol pernambucano, com os times do interior assustando os da capital. Eu acredito mais, pelo que já foi exposto, numa baixa dos três grandes (Santa, Náutico e Sport), juntamente com a alta dos times do interior. Ou seja: os interioranos não estão jogando uma maravilha, mas dão sinais de melhora inegável; enquanto que os grandes estão em péssima fase, tropeçando em várias pequenas coisinhas pelo caminho. Não fosse assim, Cabense e Ypiranga não estariam entre os quatro primeiros no campeonato. A Cabense chegou a vice-liderança! A surpresa é o Central, normalmente um dos primeiros do interior, e que amarga a penúltima posição, com apenas 5 pontos (12 atrás do líder Sport).