terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Muito barulho por quase nada

Primeiro longa de Kleber Mendonça Filho chega às salas comerciais incensado por vários prêmios em festivais e uma divulgação maciça. No entanto, só prova que ainda padecemos da mazela cult da sétima arte...


Assistir O Som ao Redor no Cinema da Fundação é como bater na Basílica de Nossa Senhora da Penha pra receber a benção de São Félix na primeira sexta-feira do ano. Um filme que já vem de ótima passagem por uma série de festivais, dirigido por um cara celebrado pela camada "cult-cinéfila" de Recife e exibido no tradicional reduto do chamado cinema de arte. É tratado como ato sagrado. Que mais poderia querer o cidadão cabeça-cinéfilo-phynno recifense? Sessão lotada, filas enormes, sucesso absoluto. No entanto, ainda estou tentando sacar em que ponto Kleber Mendonça Filho (adiante apenas KMF) enganou o público direitinho pra passar a ideia de que fez um dos melhores filmes de 2012 - deu no NY Times.

O filme não traz nenhuma novidade, nem estética nem narrativa. Aliás, de certo ponto, o filme consegue ser uma colagem de elementos por vezes irritante. KMF chega ao "auto-plágio" ao nos mostrar uma cena praticamente chupada de seu curta Eletrodoméstica, onde uma dona de casa se masturba com o tremer de uma máquina de lavar. A cena impacta quem nunca a viu, mas pra quem já passou pela experiência (de assistir o curta, não de se masturbar com uma máquina de lavar), soa como falta de criatividade, repetição, decepção.

Outra "cópia" - e percebam que uso das aspas porque o diretor também não foi tão longe no ato - é a fórmula tarantinesca de contar o filme através de capítulos demarcados cinicamente na tela. Diferentemente do diretor americano, KMF nem usa tantos capítulos assim. Apenas três. Mas podia não ter usado nada disso e a história fluiria do mesmo jeito. As personagens vão se apresentando aos nossos olhos e parecem perdidas quase que o tempo inteiro de filme. Chega a dar sono, até porque o ritmo do filme também não ajuda muito nesse sentido. Outra vez, lembra Tarantino - não no ritmo sonolento, mas nas personagens aparentemente desconectadas. O problema de O Som ao Redor é que elas continuam desconectadas durante todo o filme, com exceção de três delas - que não vou dizer quais são pra não matar o filme pra vocês que estão lendo isso, ok?

Uma matéria publicada no Jornal do Commercio na última sexta-feira, dia da estreia de O Som ao Redor no circuito comercial do Recife, trazia no título "Som é 50% do filme de Kleber Mendonça". Concordo plenamente. Uma pena que ele não nos entrega os outros 50% durante os seus 124 minutos de filme, exceto pela cena final. Ainda assim, muito jogada na cara da plateia. É fogo ficar esperando tanto (e pior, pelo óbvio) e ter a expectativa satisfeita apenas nos 48 do segundo tempo, ainda esperando por um algo mais que não vem. A menos que esse algo mais, pra você, sejam os créditos do filme.

Retomando a história do som, de fato é um dos aspectos mais bem trabalhados de O Som ao Redor. É difícil achar um filme que se preocupe em captar, de forma tão natural, os sons do ambiente que está sendo filmado. E o que acho mais interessante é o retrato que se faz da cidade, mais através do som que da imagem. Claro que é até fácil reconhecer as passagens de Boa Viagem onde a história toda se passa, mas os sons conferem uma identidade ainda mais forte. Do ambulante que vende CD e DVD pirata até o bate-estacas ritmado, distante, nos lembrando que a Zona Sul é um dos grandes redutos da especulação mobiliária recifense. Isso sem falar no cachorro irritante do vizinho, quase um clichê.

Tirando a parte do som (ponto positivo) e o ritmo e a falta de relação mais bem trabalhada entre os personagens que de fato constroem a trama (pontos negativos), algo que gostaria de chamar atenção é que em alguns momentos, infelizmente poucos, o filme traz imagens poderosíssimas, esteticamente fantásticas mesmo, por mais simples que sejam. O banho de cachoeira no sonho de um dos personagens (que preconiza discretamente o final do filme) é um deles.

Li algumas críticas sobre o filme após voltar do cinema para minha casa. E sinceramente, acho que todas parecem querer dar uma explicação mais e mais cabeça pro filme. Uma delas chega a citar Gilberto Freyre e o seu Casa Grande e Senzala. O filme discute a relação da classe média recifense com aqueles que estão abaixo dela, mostrando que ela tem raízes num coronelato que ainda se debate, bem vivo, nos dias de hoje? Pode até ser, mas não vejo essa grande discussão que muitos querem encontrar em O Som ao Redor. Nada no filme é novidade. Nem o mote nem a maneira de contar esse mote. Talvez apenas para aqueles cidadãos da dita classe média tratada no filme, que talvez tenha ficado cegos pro mundo ao redor deles a ponto de achar que esse mesmo mundo se restringe ao seus umbigos.

Para mim, apesar de todos os "defeitos", é preciso admitir que O Som ao Redor pode até não ser um dos melhores filmes de 2012, mas pelo menos, também não faz você querer o dinheiro do ingresso de volta quando sair da sala. É um filme "ok", que vai lhe saciar bem por 124 minutos. Só não espere, sinceramente, que ele vá mudar a sua vida. Porque dizer que esse filme é um grande debate a respeito das inquietações da classe média é, como diria uma figura que muito admiro, papo de comunista de beira de piscina.

O Som ao Redor
Nota: 7,0/10


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4 comentários:

Houldine Nascimento disse...

Olha só, uma crítica mais pessimista sobre o filme... Não é bem uma confissão, mas eu me deixei levar por "O Som ao Redor" completamente. Não vejo um problema nas histórias estarem desconectadas (se realmente isso acontece). A vida é assim, não? Mas entendo que ele tenta unir os personagens em várias situações e que consegue isso. A maneira com que usa o som é realmente soberba e, nesse sentido, constitui uma inovação dentre outras visualizadas. Sobre o termo "auto-plágio", pegaste um pouco pesado. Não há problema em trazer um personagem de um outro filme seu (que é o que ocorre) ou até mesmo tomar o curta como base (o que não aconteceu). É tão comum no cinema curtas servirem de laboratório para filmes com uma metragem maior. Também não penso ser um problema introduzir cada parte com um título. Não é uma invenção de Tarantino (Taí. Duvido que haja diretor que recicle mais ideias ou emule situações como ele), mas muitos diretores têm/tinham o costume de fazer isso (Stanley Kubrick, por exemplo). E isso não configura uma cópia, é apenas uma estratégia narrativa. Bom, já dizia Nelson Rodrigues que "Toda unanimidade é burra". No mais, respeito tua opinião. Tens todo direito de não gostar do filme. E não me leve a mal pelo comentário. Abraço.

Wesley Prado disse...

Relaxe, rapaz!
Jamais levaria a mal teu comentário, até porque ele não foi arrogante ou trollagem pura.

Vamos por partes:
-também não vejo problema em histórias desconectadas. Mas, pra mim, é um problema quando elas ficam simplesmente desconectadas e pronto, como foi o caso desse filme - exceto por aqueles três personagens da cena final. Bem, quando a vida ser assim, eu já acho que ela é bem mais conectada do que acreditamos... Tomando um microverso como exemplo, acho que o ambiente do nosso curso já é exageradamente conectado, não achas?

-o "auto-plágio" foi colocado exatamente entre aspas por conta dessa questão que você falou, de pegar coisas de sua própria autoria e reutilizá-las. KMF tem todo o direito de usar isso, como muitos devem fazê-lo. O defeito, pra mim, está em usar uma cena que não causa o menor impacto em quem tiver visto Eletrodoméstica - o que, convenhamos, uns 95% do público da Fundaj (e fora mais um monte de cults rykas que preferiram ver no Cinemark do RioMar pra se amostrar) já deve ter visto. É o impacto que uma cena surreal daquela provoca que se perde. Achei isso uma fraqueza dele, me perdoe. :(

-quanto a Tarantino... Confesso que não sei quem foi o inventor dessa estratégia narrativa, de demarcar capítulos na tela como se fosse um livro. Não devo ter 1/10 da cultura cinematográfica que tu tem, Houldine. Mas, acredito que mesmo que a tivesse, Tarantino seria a referência mais "pop" de ser comentada no meu texto. Gosto da ideia de alguém que ler o meu texto e sacar de pronto, não tendo que trazer uma bagagem monstruosa pra entendê-lo. Acho essa uma mazela do jornalismo cultural como um todo, o excesso de pedantismo. É como se todo mundo que fosse escrever sobre um filme, um livro, uma peça, tivesse que usar termos técnicos ousados, que soam artificiais, ou fazer milhares de referências cults, apenas pra passar uma posição de autoridade no assunto. Eu mesmo já usei dessa estratégia e não gostei do resultado, me senti artificial, Sejamos francos: eu podia até citar Kubrick (ou qualquer outro, antes ou depois dele) nesse ponto da divisão capitular do filme... Mas aí, eu estaria excluindo uma parcela de leitores que nunca assistiram Kubrick (sim, isso existe) em detrimento do entendimento do meu texto. Já Tarantino, até por ser mais próximo de nossa geração e por fazer um cinema pop-referencial, traduz exatamente o que eu queria dizer naquele trecho do texto. Sem contar que a história que KMF tenta passar em seu filme me lembrou muito as tramas de vingança de Tarantino.
Não comentei no texto, mas lembrei dele também naquela cena em que o casal passei pelas ruínas de um cinema abandonado, no interior. Pareceu-me um culto ao cinema, tal qual Tarantino faz em seus filmes, mas de uma outra maneira, um outro toque. Por isso nome do diretor me pareceu tão apropriado para meu texto.
E quanto a ser cópia ou não... Bem, foi por isso que usei as aspas nessa palavra, pois não se trata exatamente de cópia, mas ainda se levarmos em conta que ele não foi o criador dela.

No mais, obrigado por ter mantido a promessa do Twitter e ter vindo aqui comentar. :)

PS: e pelo amor de deus, não vai entender o negócio da mazela do jornalismo cultural que mencionei aqui como um "ataque" aos seus textos! Espero que entenda que é um posicionamento em relação em relação a críticos (não só de cinema) que pensam que têm o rei na barriga - o que nem de longe é o seu caso, viu? ;)

João de Campo Grande disse...

Apesar da tua gotinha de veneno, quero ver esse filme. :)

Wesley Prado disse...

Gotinha não, João, pode dizer que é um vidro inteiro. ;P