Uma matéria que saiu na Folha de São Paulo em 2005, de autoria de Fernanda Bassette e André Nicoletti, que apesar de velha ainda guarda certa atualidade, defende a seguinte ideia: jornalismo é o curso mais fácil de todos. A defesa dessa tese vem da comparação de dificuldade entre engenharia e jornalismo, onde os alunos do primeiro relatavam que deveriam ser menos exigidos, enquanto que os alunos do outro diziam que deveriam ser mais. Além da comparação ser estapafúrdia, já que os cursos de engenharia e jornalismo tem tanto em comum quanto uma samambaia e uma bicicleta, me parece um parâmetro muito fraco para definir esse tipo de coisa. Até porque dificuldade num curso superior não está relacionada apenas ao campo de estudos daquele curso. Mas daí a querer dar uma conotação de que jornalismo é curso de “vagabundo” já é demais.
Repetindo uma frase que postei há algumas horas no Twitter, quem fez essa matéria não ficou cinco noites sem dormir como @_definitely (beijo pra tu, menina!)
De texto todo, só concordo mesmo com o parágrafo final. E por que? Por se tratar de uma verdade. Muitos alunos entram no curso de jornalismo com a cabeça enterrada ainda no cursinho, onde tudo é funcional, tem aplicação e objetivo. Sinto muito, mas a vida acadêmica não é assim em curso nenhum. Nem mesmo em engenharia se pode esperar essa praticidade toda nos estudos.
Outro problema é o clássico "tudo na mão". Quando se entra numa universidade/faculdade, o sujeito tem que correr atrás, tem que querer conhecer a sua área escolhida. Não basta apenas estudar conteúdo e achar que aquilo tudo vai lhe ensinar a ser um bom profissional. Na verdade, o mais provável é que o estágio lhe ensine mais do que as aulas. E isso vale pra (acredito que) qualquer curso.
Se jornalismo foi considerado fácil, com certeza não é pela natureza de seus estudos. Engana-se quem concorda com o rebaixamento do diploma de jornalismo a mero enfeite emoldurado na parede da sala e pensa que qualquer um pode ser jornalista. O curso superior é, sim, necessário para uma boa prática profissional. Como diria Felipe Pena no seu Teoria do Jornalismo:
“(...) o profissional de imprensa precisa ter uma formação sólida e específica para assumir o papel de mediador. Ninguém gostaria de entrar em um hospital e ser atendido por um contador. Ou ser defendido no tribunal por um veterinário. Então, por que seria diferente com o jornalismo?”
A culpa – ao menos, parte dela – é do corpo docente dos cursos de jornalismo, que na sua maioria, em qualquer IES desse país, nivela “por baixo” e termina apregoando notas 10 a quase toda turma. Pergunto aos meus distintos colegas de curso da UFPE: não houve ao menos uma cadeira em que tenha batido aquela sensação de “ele/ela não dá nota menor que 8 pra todo mundo” ou “todo mundo tirou 9,5”? Ou ainda pior, algo como “não li nada, peguei trabalho dos outros e minha nota ainda foi maior que a dos colegas”? Pois é, isso acontece com frequência, e tenho certeza que não somente na UFPE. Na Unicap, Aeso, Nassau e tantas outras.
O curso de jornalismo deveria ser muito mais puxado. Reprovação por falta deveria REALMENTE existir – exceto em casos especiais, como num estágio escravista filhodaputa pesado demais, que impossibilitasse a presença do aluno nas aulas, e ainda assim com ressalvas. Professores não deviam aceitar serem manobrados pelos alunos a ponto de serem vistos como pessoas de coração mole, ou melhor dizendo, no entender discente, bestas.
É como se os docentes de jornalismo tivessem medo de dar notas baixas aos seus alunos. Besteira! Um dos professores mais fantásticos que tive no curso atende pelo nome de Eduardo Duarte. Realmente tem o que ensinar e o faz com competência. Quem estudou com ele sabe o sufoco que é pra tirar um simples 7. Ainda não conheço alguém que tenha ficado com média acima de 8 com ele – se você se encaixa nesse seleto perfil e está lendo esse texto, pelo amor de deus, encaminhe o print screen da sua nota que é pra não deixar dúvidas desse mérito!
Além de criarem essa falsa sensação de facilidade no curso, professores do tipo “10 pra todos” desestimulam os alunos, que não veem desafio algum para seus intelectos. Por que se esforçar demais se, no final, vou tirar o mesmo 10 do cara que vai se matar de estudar? Não sobra nem mesmo a vontade de participar das aulas – é só dar uma olhada na maioria das cadeiras obrigatórias e perceber que o índice de evasão é grande. Como a maioria dos professores utiliza o (inútil) método de passar uma ata de frequência, nem mesmo o controle sobre a turma pode ser exercido, já que um aluno assina por sete, talvez até mais, e fica todo mundo em dia com a chamada. Nem mesmo errando o nome do colega vão sentir falta... Imagine a cara de espanto de um professor ao ver um aluno se reportar pela primeira vez no semestre, após mais de dois meses de atividade, sem nem saber que ele estava matriculado naquela cadeira...
Tenho certeza que se o curso fosse mais linha dura, teríamos estudantes mais comprometidos e interessados, não apenas com suas notas, mas também com atividades extracurriculares e com o curso em si. E não um bando de folgados que empurram o curso com a barriga, fingindo superioridade, que faltam pelos motivos mais ridículos e que, muitas vezes, utilizam de meios antiéticos para a realização de seus trabalhos, seja no próprio ambiente acadêmico, do estágio ou mesmo profissional.
Fica aqui meu desabafo. Espero que o texto não tenha saído muito confuso, e que eu não tenha esquecido nenhum ponto da argumentação que eu quis traçar.
- X - X - X -
A referida matéria da Folha virou "bafão" no Twitter graças ao link disponibilizado por @_definitely. Thanx pela inspiração, visse?
A referida matéria da Folha virou "bafão" no Twitter graças ao link disponibilizado por @_definitely. Thanx pela inspiração, visse?
15 comentários:
Fechou com a cara da Folha! Mto bom!
Ah, padriiiiiinho.
Quando eu vi a discussão no twitter tive a mesma ideia, de postar sobre o assunto.
Mas seu texto ficou muito melhor do que o meu poderia ever ficar.
Eu amei, como sempre.
Meu irmão...
REALMENTE!
1. Como se compara engenharia e jornalismo? Que tipo de parâmetro pode ser usado pra isso?
2. Concordo totalmente com a questão dos professores dando nota 10 pra geral. E isso é tão grave que os filhos das putas dos alunos ficam acostumados e se tirarem menos de 8 se acham no direito de assassinar o professor.
3. Vizeu, no segundo período, pegou nossos trabalhos todos e chegou no último dia de aula falando que ia dar 9.5 a TODO MUNDO porque fomos uma BOA SALA. Teve gente que nem entregou e nossos textos, tenho certeza, nem foram lidos.
No mais, acho que Elisa tirou mais de 8 com Eduardo, vou mandar ela te dar o print.
Beijo, padrinho querido.
Adorei aa homenagem, mas principalmente, amei o texto! Disse tudo! O pior é ver muita gente engolindo o que tá escrito na matéria, sem nem parar pra analisar que é tudo baseado em opinião, e não um estudo sério. Isso não deveria vir na forma de notícia, isso é um artigo de opinião!
Sempre reforço: passar por média é fácil. Mas nota de faculdade é uma merda. Isso não define profissional. Isso é mentalidade de colégio.
Elisa tirou sim mais que 8 eu também =P. Essa questão do 9,5 foi realmente complicada, por ser a disciplina de "introdução ao jornalismo" e também por não ter nenhum critério de nota relativa. Se a nota relativa é zero então temos suprimido o nosso direito de fazer a diferença.
Gente, obrigado pelos elogios.
A matéria é mal feita, mal intencionada.
E os exemplos que vocês deram só reforçam o tipo de coisa que tentei deixar clara nesse texto.
Enquanto Vizeu e outros professores continuarem avaliando dessa forma, curso de jornalismo não será respeitado em canto nenhum...
aff, qualquer bobão sabe que Engenharia é mil vezes mais difícil do que qualquer outra matéria de humanas ¬¬' . Aliás mesmo se tratando de biológicas: se vc pedir pra um engenheiro estudar medicina, ele conseguirá. Se vc pedir pra um médico estudar engenharia, ele vai se matar. Em exatas vc tem que realmente PENSAR e RACIOCINAR, e não apenas ler coisas e escrever redações. Não digo que Jornalismo é fácil, digo que exatas em geral que são difíceis.Só pra reforçar, o cálculo da integral é a matéria que mais reprova dentre TODOS os cursos universitários. Por isso, quando vc ver um engenheiro... respeite aquela pessoa
Tenho todo respeito do mundo pelos engenheiros, Zigfríde, até porque vivenciei um curso de engenharia.
Só o que é degradante é a forma de pensar - ampliada pós queda do diploma - de que jornalismo (e quase todos os outros cursos de humanas) é um curso fácil, babaca e/ou desnecessário. Muita gente argumenta que, nos primórdios da profissão, quase todos os jornalistas eram escritores, bachareis de direito ou outra atividade que fosse. Porém, vale lembrar que NÃO existia um curso formal de jornalismo, que com certeza seria feito pelos primeiros jornalistas da história se existisse um.
Ah, e quase ia esquecendo: muito obrigado pela visita, Zigfríde. Espero que tenha retornado outras vezes, só vi seu comentário agora. :)
Com todo respeito, mas nuances à parte, falou M****. Formei-me na ECA-USP levando nas coxas pra poder me dedicar ao aprendizado extracurricular (um inglês fluente vale muito mais que teoria da comunicação, por exemplo).
Quero ver quem passa em cálculo nestes mesmos moldes.
E a comparação do jornalista com médico (responsável por vidas ou funções orgânicas) foi de doer. Quero ver um Willian Bonner (publicitário de formação) da medicina, autodidata em obstrução de carótida.
Anna, acredito que você tenha se referido ao comentário de Zígfride, não foi? Só para tirar a dúvida.
Caro Fellipe,
Acho que sua crítica foi meio descabida. Talvez se tivesse sido mais claro no que meu texto foi ruim, seria melhor para nós dois - para mim, para que eu possa melhorar em futuros textos, e para você, que podia desenvolver sua crítica com diálogo.
Se meu texto é ruim, posso dizer o mesmo do seu comentário. Pegasse uma frase do meu texto, que nem uso como argumento real para defender a matéria, para dizer que o texto inteiro foi ruim, e ainda usando da ironia mais infantil possível. Se você voltar aqui, por favor, conversemos. Se for só pra ficar na crítica besta, que nada contribui para o autor, melhor nem responder nada.
Gostei muito do seu texto.
Eu estou no fim do terceiro ano, e minha opção na UFPE será jornalismo, espero que minha geração tenha um pouco mais de sorte.
Confesso que tenho medo o do que meu futuro como jornalista possa me proporcionar. Ao ler textos assim me sinto mais temerosa do que já estou em relação ao jornalismo, até sinto desestimulo.
É triste saber que seu futuro é tão incerto quanto a qualidade do curso que você escolheu. :(
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