sábado, 3 de março de 2012

A Dama de Ferro - Porque até Margaret Tatcher sangra

O talento de Meryl Streep e a coragem de humanizar uma das personalidades mais importantes do fim do século XX fazem filme morno, mas que emociona




Escolher como personagem de um filme a famigerada primeira-ministra britânica, que ficou no poder de 1979 a 1990, período extremamente conturbado para a Inglaterra e para o mundo, foi no mínimo um ato de coragem da diretora Phyllida Lloyd. Só para lembrar, Margaret Thatcher sobe ao poder bem no ano em que as rebarbas da crise do petróleo ainda assombravam economias mundo afora, quebrando as mais desavisadas. Por si só, contar a história dessa personagem já seria um desafio. Afinal, Thatcher foi uma das figuras chaves dos últimos suspiros do velho século XX, aquele onde a Guerra Fria ainda dava muito pano pra manga.


E Phyllida revela a coragem necessária ao mostrar uma Margaret Thatcher envelhecida, perturbada pelos fantasmas da própria cabeça, tão inocente quanto aquela sua avó que faz um quitute todo domingo para reunir a família. Simultaneamente, retrata a mesma Margaret Thatcher pelo modo como ficou conhecida pela história, como a Dama de Ferro, alguém que, inserida numa sociedade vulgarmente machista, lutou muito para ter o respeito e o poder necessários para assumir o cargo que lhe fez a fama.


Já é mais do que óbvio, especialmente pós-Oscar, que A Dama de Ferro (The Iron Lady, ING/FRA, 2011) se sustenta na impecável interpretação de Meryl Streep na personagem título. É ela quem torna Thatcher uma figura humana, que sofre a cada lembrança mais dura do passado e que luta contra a própria degeneração mental, que se manifesta no "fantasma" do marido, interpretado por Jim Broadbent (o Slughorn, de Harry Potter, e vencedor do Oscar de melhor ator coadjuvante por Iris).


Um dos momentos mais tensos do filme,
onde Meryl Streep dá um verdadeiro show


Porém, mesmo fazendo Meryl Streep de muleta, A Dama de Ferro apresenta muito pouco do que poderia fazer. A narrativa é muito fragmentada, com lacunas que deixam o espectador curioso ou mesmo perdido. O filme deixa a clareza de lado em muitos pontos, e acaba fazendo a figura de Thatcher uma colcha de retalhos tão perdida quanto a senhora que se vê na tela. Talvez a intenção da diretora tenha sido dar ao público esse ar de confusão mental que a personagem sofre. Se essa foi a intenção, o máximo que ela consegue é tornar o filme confuso e lento. A Dama de Ferro não consegue ser nem mesmo didático, pois os fatos históricos relativos à personagem são tratados muito por cima.


Não que isso fosse esperado. Humanizar Thatcher, colocá-la como uma pessoa fragilizada pela idade, já implicava escolhas no roteiro e na direção que comprometeriam o filme de alguma forma. Mas chega a ser incômodo ver uma personagem que tem tanta história, literalmente, ser subaproveitada. Uma pena. Meryl Streep saiu oscarizada, mas Margaret Thatcher perdeu um pouco do seu impacto.


A Dama de Ferro
Nota: 6.5/10





Indicações ao Oscar 2012: 2 - melhor atriz (Meryl Streep) e maquiagem
Ganhou: 2


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Wesley Prado é recifense, leonino, quase jornalista e nostálgico. Lembra da queda do Muro de Berlin. Simplesmente louco por quadrinhos, RPG, livros e cinema. Criador do Caixa da Memória, mas humilde demais para querer ser chamado de deus ou papai.

3 comentários:

Diego Ribeiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diego Ribeiro disse...

E Meryl apoiada na ufania-fantasma de suas personagens, ou seria da crítica, ou da sua expertise. Identidade? Alô?

Débora Leão disse...

UAU.
É bem isso. Bem, bem isso.

Ainda no começo quando fica aquela série de retomadas não-lineares a gente meio que se perde um pouco. Talvez tenha sido minha vontade de enxergar a história da Primeira Ministra e sua ascensão, e não da mulher.
A intenção, no entanto, acredito que tenha sido a de mostrar o que seria mais importante para ela - e não para o resto do mundo. Por isso os fatos tornam-se tão plano de fundo, quase 'irrelevantes'. Talvez da mesma forma que ela diga "afunde".
Dá para entender porque ela era tão odiada, através daquelas loucuras políticas anti-populares, e, ao mesmo tempo, entender o que ela queria construir. Ela pensava gerações à frente, mas implicava uma mudança de cultura quase que filosófica de toda uma sociedade!
E ao mesmo tempo, sentir tristeza em assistir a degradação lenta de uma figura tão importante.