sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

"And Then, One Day... I Got In!"

Tron Legacy chega após 28 anos de espera e mostra que não é somente  um filme com efeitos especiais de última geração, além de possuir uma das melhores trilhas sonoras dos últimos tempos.




Acho que nunca esperei tanto por um filme como Tron Legacy (desculpem-me os puristas, mas me acostumei tanto a chamar pelo nome original desde o primeiro teaser que simplesmente não consigo chamar Tron - O Legado). Quando li as primeiras notícias "valendo" a respeito do filme, fiquei elétrico. Eu precisava ver Tron Legacy! Era algo muito mais forte que o simples apelo do novo. Havia uma carga emocional maior do que o normal. Tron (1982) fez parte da minha infância. A continuação de Tron era, de uma forma estranha, a continuação de minha infância e o ritual de passagem para algo maior.

"Um mundo dentro do computador onde o homem nunca esteve.
Até agora."
Pode parecer exagero (talvez seja) colocar tanta carga sobre um filme anunciado como o blockbuster de verão (inverno - muito severo - para os gringos acima do Equador), o filme que fecha 2010 e inaugura a temporada 2011 dos filmões norte-americanos. Mas Tron Legacy é, de fato, a extensão de algo muito íntimo a uma geração que cresceu em tempos sem internet, sem celular, sem 3D e sem "rock" colorido.


   


O mesozóico Tron foi um dos primeiros filmes a abusar da computação gráfica, numa época em que interface gráfica ainda era uma lenda e programadores/designers tinham que digitar milhares (às vezes, milhões) de linhas de código para produzir alguns poucos minutos de imagens. Um filme como Toy Story, por exemplo, levaria uma vida para ser feito. Imagine ter que calcular cada posicionamento de cenário em 3D, somando ainda volume e textura dos objetos, sem poder visualizar tais elementos desde a sua construção... CG era algo trabalhoso em 1982...






Mas Tron saiu - com menos de 10 minutos de cenas totalmente computadorizadas, mas saiu - com uma inovação visual que não foi bem recebida pelo público, apesar de ser reconhecida pela importância técnica para o cinema que viria depois. Tron abriu as portas para um cinema de imagens virtuais em interação com o real, de fato. Coisas como Avatar deveriam agradecer a filmes como Tron por terem visto a luz do dia.



Para os padrões de hoje, o filme é arcaico e esdrúxulo, totalmente kitsch no seu colorido berrante e cenários que lembram videogame. Mesmo tendo sido "esquecido", como alguns gostam de afirmar, Tron resistiu no imaginário pop por quase três décadas - e no final, é isso que conta para que algo entre para a história do cinema, não?

Pois bem, essa permanência permitiu que Tron Legacy fosse concebido. Só que diferentemente do primeiro, cuja temática e estética foram avançados demais para o seu tempo - o medo das inteligências artificiais só seria mainstream anos mais tarde - a versão 2.0 veio com uma campanha publicitária massiva, através de redes sociais, vídeos em eventos como a Comic Con e no YouTube e prequels em duas hqs e um game. Não havia como evitar imergir no universo de Tron Legacy.


A Grade: digital, árida, intensa
A história é simples, mas cativante. Kevin Flynn (Jeff Bridges), personagem principal do primeiro filme,  desaparece misteriosamente. Seu filho, Sam (Garret Hedlund), ainda uma criança, cresce sem o pai e cansado de buscas infrutíferas, se torna um jovem temerário, hacker por excelência e herdeiro de algumas ações do império Encom, a empresa de informática em que seu pai trabalhava. Numa dada noite, após uma peraltice eletrônica, ele recebe a visita de um velho amigo de seu pai, Alan Bradley (Bruce Boxleitner), dizendo que recebeu uma mensagem de Kevin, originada do velho fliperama de onde o velho Flynn conduzia suas pesquisas, em segredo (aliás, não há cena mais retrô no filme que a cena do fliperama!). O porém é: a mensagem veio de um terminal desconectado há 20 anos. Está pronta a isca. Para Sam e para o espectador.


Atenção na música que toca na cena do arcade...
#retrôfeelings
Daí pra frente, a viagem nos efeitos visuais é total. Nada que se compare a criação do mundo dos Na'vi de Avatar, mas ainda assim um mundo árido, digital, intenso, na cara quem está na sala de cinema, chamado de A Grade (The Grid). Vamos junto com Sam, abismados com a existência de todas aquelas coisas que até então eram um segredo, um sonho na melhor das hipóteses. Então era naquilo que o pai trabalhava antes de desaparecer?

As syrens, preparando Sam para as...

... discwars!
Sam é jogado sem paraquedas num game que lembra as arenas de Roma – só que numa versão hiper high-tech. É onde ele encontra Rinzler, o Darth Maul de Tron, com diferença que tem mais carisma e, principalmente, importância na história. E será também onde ele vai conhecer CLU, o grande vilão do filme, um tipo de avatar criado por seu pai no primeiro Tron. CLU se rebelou contra seu criador e se transforma num Hitler dos bytes, controlando todos os programas da Grade com um ferrenho objetivo: eliminar toda e qualquer imperfeição do sistema. Só que CLU tem uma pretensão ainda mais audaciosa: ele quer passar para o mundo real, para eliminar a humanidade, a imperfeição máxima na sua programação deturpada.


CLU e Sam
Para isso, CLU precisa encontrar seu criador e tomar seu disco de dados – mistura de arma, alma e memória dos usuários e programas dentro da Grade – que é a chave para abrir o Portal, um canal de dados entre a Grade e o mundo real que, por consumir muita energia, só ficará aberto por mais algumas horas e só pode ser aberto pelo lado de fora. Para Sam, é a única forma de voltar.

Fechando o inimigo na curva...
... e strike! (os restos da moto laranja lá atrás)
Após algumas batalhas, que revivem o clima videogame, só que num nível muito mais evoluído, do filme anterior (as lightcycles ficaram simplesmente arrasadoras!), Sam é salvo por Quorra (Olivia Wilde, a 13 de House M.D., lindíssima), um programa que sabe onde está o pai dele e que despreza CLU e seus seguidores.


Quorra: chamando Mayana Moura pra ver quem tem o melhor cabelo de playmobil
(Olivia Wilde ganha essa fácil!)
Família - O encontro entre Sam e Kevin tem momentos de filosofia zen e da frieza que a distância pode causar nos relacionamentos. É onde começa o ponto de virada na trama. Kevin, já um senhor, transformado num monge zen exilado de seu mundo e de sua própria criação, revela como se deu a traição de CLU e os motivos de ter ficado preso à Grade. No meio disse, estão envolvidos os ISOs, uma forma de vida totalmente nova, DNA digital, e que teria potencial para revolucionar nosso mundo.


Kevin Flynn: zen é com ele
Com a típica rebeldia dos jovens, Sam parte sozinho para tentar salvar o pai, indo ao encontro de um programa no mínimo... excêntrico. Trata-se de Zuse (Michael Sheen, o Toby Blair de "A Rainha"), capaz de levar qualquer um a qualquer lugar, e que habita uma boate desse mundo virtual, local onde a dupla Daft Punk, responsável pela trilha sonora, faz uma breve aparição e onde rola uma das lutas mais legais, especialmente no momento em que Kevin resolve intervir... Para piorar, fodão Rinzler rouba o disco dele e agora a ameaça de CLU invadir nosso mundo é perigosamente real.


Zuse: um Ziggy Stardust da Grade
Tron Legacy passa a ser uma corrida contra o tempo: chegar ao Portal antes de CLU e tomar-lhe o disco, possibilitando que pai e filho possam voltar para casa, levando Quorra de brinde. Seguem-se diálogos de puro envolvimento emocional e contraste entre épocas (“Wi-fi, hein? Eu havia imaginado isso em 1985!”), assim como cenas de teor político de amarga nostalgia – como não lembrar dos totalitarismos históricos quando ficamos sabendo como CLU reúne seu exército, cada vez maior, e no seu discurso inflamado de ódio contra os usuários, a imperfeição maior de todas, e o destino dos programas como legítimos senhores da realidade?

A ação na parte final é intensa, com lutas bem sincronizadas e com as lightjets, a evolução das lightcycles. Sério, é puro delírio nerd ver um combate aéreo misturado com o rastro de fatal de energia sólida. É lightcycle literalmente em três dimensões!


Lightjets = cool!
O desfecho é apoteótico, futurístico, emocionante. Sim, Tron Legacy é emocionante. Não precisa discutir toda a complexidade da filosofia zen budista citada no filme nem fazer tratados sobre ciências políticas ou ainda dar uma de gênios como Asimov e Gibson, fazendo previsões acertadas sobre a evolução tecnológica, para emocionar. Às vezes uma história simples, ainda por cima aliadas a grandes efeitos especiais, é capaz de emocionar e muito. Até porque a beleza está nas coisas mais simples – coisa que só se aprende depois de velho mesmo.

Um pouco de lag – fechando esta resenha com a já tradicional “lavagem de roupa suja”, Tron Legacy tem poucos furos de roteiro, ainda assim perdoáveis, e interpretações na medida. Mesmo o novato Garret Hedlund (Quatro Irmãos, Eragon, Troia) cumpre bem a demanda de carregar o legado. Jeff Bridges dá show até calado (impressionante como depois de velho o cara tá arrasando). Outro brinde para os fãs é Bruce Boxleitner, revivendo seu personagem do filme original. Acho que só Olivia Wilde ficou meio offline. Sua Quorra tem momentos bobinhos (a piada de Júlio Verne é ótima) assim como momentos mais sérios, mas ela flutua tanto entre eles que não dá para formar uma personalidade realmente marcante da personagem, ficando seu carisma mais a cargo de sua beleza.

Quanto a CLU, já não é novidade que o personagem é intrepretado por Bridges, mas com uma máscara digital, que o faz ter o mesmo rosto de quando era um jovem galã de filmes de ação/aventura. A intenção era que CLU, como programa, não envelheceu, logo não poderia demonstrar as marcas do tempo que inevitavelmente apareceram no rosto de Bridges. A técnica ainda não chegou à perfeição, uma vez que a fluidez dos músculos faciais ainda é notadamente artificial, mas já faz suficiente milagre – destaque para a cena do discurso inflamado diante dos programas-soldado.

Bridges e o capacete que capturou suas expressões faciais...
Tá bom, então, né?

Os maiores parabéns ficam para a equipe de direção de arte e de CG do filme. Os designers devem ter babado horrores durante a maior parte de Tron Legacy, seja no figurino, nos veículos ou nos cenários. Tudo remetendo ao filme original, mas sem os exageros berrantes daquela paleta de cores (acho que a galera tava on drugs quando aprovou e realizou aquele visual... :D). O filme tem um tom sombrio, realçado pelas geometrias bem marcadas em todos os objetos do filme.

Deuses, quase ia esquecendo! O high ultra mega level parabéns do filme vai pro Daft Punk, que conseguiu a proeza de criar a melhor trilha sonora que já vi em muito tempo! Sério, nunca vi uma trilha que casasse tão bem com a imagem que está na tela. Não são à toa as boas críticas ao duo da electro music, que já fez hits fodásticos como One More Time (lembra de Interstella 5555?), Around The World (uma das coreografias mais escrotas já vistas num videoclipe) e Technologic (simplesmente arrasadora). Recomendo muitíssimo pra quem quiser um pouco de música eletrônica na vida, mas não tem paciência pra uma rave de 79 horas. :D

Tron Legacy
NOTA: 9.0/10

Extras:


-Videoclipes de Derezzed, da trilha sonora de Tron, by Daft Punk

Versão 1 (com cenas do filme)

Versão 2 (original - ótimo mix entre o visual de Tron 1 e 2)


3 comentários:

Unknown disse...

Só concordo com as partes relativas a Jeff, O Grande Lebowski!!! O resto é balela...

Wesley Prado disse...

Pra tu meu, caro.
Como você costuma dizer, teimosia é uma arte, quando aliada ao gosto, então...
So sorry. O filme é ruim pra você e bom pra mim. Assim como você acha Ilha do Medo um filmaço e pra mim, aquilo foi um maiores lixos que já assisti. Se tu se atreve a chamar aquilo de suspense genial ou algo assim, só lamento...

Wesley Prado disse...

Além do mais, existe a experiência subjetiva. Um filme toca cada pessoa de forma diferente. Há quem não veja a mínima graça nas trilogias Senhor dos Aneis e Star Wars, mas veja só, nós dois adoramos esses universos, em medidas diferentes e por motivos diferentes! Se Tron Legacy me foi tão legal, é por motivos pessoais - podemos chamar de egocentrismo mesmo - e se você não gostou, idem. O que não dá pra dizer é que o filme é ruim: tu mesmo nem o classificou como um dos piores filmes do ano na tua lista do Caio em Coluna! O que de certa forma, já mostra que, apesar de não teres gostado, não foi de todo mal.

Enfim, gosto é feito... fígado! Cada um tem o seu e sabe o trato que dá a dele. :D