terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Será que vale tudo mesmo?

Tudo pelo Poder é o tipo de filme obrigatório para quem gosta de jornalismo e/ou política. E para quem não gosta, também.



George Clooney é uma das figuras mais profícuas do cinema atual. São mais de 60 filmes na carreira, seja atuando, dirigindo ou produzindo. Com tamanha bagagem, ele assume as rédeas da direção pela quinta vez e alcança um alto grau de sucesso com seu recente Tudo pelo Poder (The Ides of March, 2011), que se desdobra nos bastidores de uma campanha presidencial americana e cuja conversão do título original para o nosso idioma é de uma breguice sem igual (a tradução literal, Os Idos de Março, muito mais interessante, chegou a ser cogitada, visto que as primeiras informações sobre o filme traziam esta versão).


O filme foca na relação entre o candidato Mike Morris (o próprio Clooney, mantendo a qualidade na atuação), governador democrata que está subindo nas pesquisas e tem grandes chances de se eleger nas primárias, e seus assessores de impressa, Paul Zara e Stephen Meyers (respectivamente Philip Seymour Hoffman e Ryan Gosling, ambos competentíssimos nos seus papéis). Relação que se tensiona a medida que o jogo de conspirações políticas se torna mais e mais intrincado.

Morris está a poucos passos de ser escolhido o representante do Partido Democrata nas eleições presidenciais, mesmo sendo um grande azarão dentro do partido. O que só valoriza o trabalho de seus assessores. Stephen, mais jovem, é um sujeito promissor que procura trilhar seu caminho seguindo preceitos éticos muito simples: ele precisa acreditar no candidato para se sentir à vontade em seu trabalho. E talentoso que é, ele começa a ser visado pela equipe do adversário de Morris, capitaneada por Tom Duffy, interpretado por Paul Giamatti (só para variar, excelente, apesar dos poucos momentos em cena). A partir de um encontro secreto entre Stephen e Tom é que todo o grande mar de lama começa a fluir sobre a campanha.

O governador Mike Morris: a melhor opção para a presidência dos EUA (?).
Troca de favores, coação, relações ilegais, segredos e mentiras... Tudo que comumente é associado ao mundo da política aparece no filme, com o adicional do assessor de imprensa. Tentarei não divagar muito aqui a respeito deste profissional do jornalismo para não perder o foco, mas talvez um dos poucos defeitos do filme seja o apego ao estereótipo do assessor canalha, aquele que prefere vender a alma ao diabo a perder o emprego e, para isso, pavimenta sua carreira em cima de grandes maquinações – onde o limite entre o blefe arriscado e mentira deslavada é bastante tênue. Não digo que só existem assessores bonzinhos. A colunista do Times, Ida Horowicz (Marisa Tomei), que deveria ser o “contraponto” dos assessores, é tão venenosa quanto eles (e nem vale a costumeira defesa que se faz do jornalista de redação que a atitude da personagem era em “prol da sociedade”, porque obviamente não era - e nem é). Em jornalismo, como em qualquer carreira, existe a gangue dos canalhas e a brigada da ética. Aliás, o jornalismo se constrói num eterno conflito entre certo e errado, ética e antiética. O longa não é muito feliz ao não aproveitar melhor esse conflito para construir momentos instigantes para o espectador (não que o filme não os tenha, mas eles são construídos mais pelas questões relativas à política), dando a entender que, no fim das contas, vale mesmo tudo pelo poder.

Outro ponto negativo é a montagem um tanto confusa em alguns pontos, onde as cenas parecem não dialogar com o momento que está acontecendo ou simplesmente parecem dispensáveis. Por causa disso, provavelmente o espectador há de se perguntar “o que isso tem a ver?”. Nada muito grave, mas é algo que poderia ter sido evitado. A fotografia de Phedon Papamichael dá o tom certo de sobriedade e tensão, e combinada com a trilha de Jean-Pascal Beintus e Nicolas Charron, escreve cenas fantásticas, como a reunião entre Morris e seus dois homens de confiança, ou ainda a conversa no carro do candidato, que define o final da história. As sombras tomam conta dos momentos em que segredos estão sendo trabalhados e a claridade se lança no ambiente quando Morris precisa ser O candidato certo.

Essa cena é um dos melhores momentos do filme, sem dúvida!
A direção de Clooney é precisa, recriando momentos típicos de campanha, se preocupando com detalhes visuais referenciais, como o já clássico cartaz de Obama, em duas cores, com os dizeres de “Yes, We Can”, ou os debates com o público cercando o candidato. Além da direção, Clooney cumpre muito bem seu papel em frente às câmeras, vivendo o candidato que, apesar de todo esforço em nome da honra e da dignidade, se vê forçado a manobras das quais não se orgulhará jamais. Aliás, em termos de elenco, Tudo pelo Poder tem todo direito de dizer “Yes, We Can”. Gosling acerta o tom de seu jovem assessor, sem cair na dramalheira que mais da metade dos atores que assumissem esse papel fariam. Seymour Hoffman transmite uma sinceridade em cena que fica até difícil acreditar que ele não é um assessor com anos de experiência. O mesmo se pode dizer de Giamatti. E Tomei nos faz sentir aquele ódio fácil pela grande mídia, graças a sua jornalista faminta pelo furo de reportagem e que dispõe das informações certas para conseguir o que quer (para o terror de Stephen...).

Apesar da peculiaridade de tratar da política americana – um tanto complicada para os nossos padrões eleitorais – não haverá muita dificuldade em entender o que se passa na tela. Aquilo que precisa ser entendido, e que não será diferente seja numa campanha nos EUA, no Brasil ou em qualquer outro país, é descrito com simplicidade e sinceridade. Só é um pouco triste, ao fim da projeção, o sentimento de impotência diante das forças de corrupção que lentamente tomam conta das escolhas dos personagens. Mesmo aquele que lhe parece mais ético acaba tomando uma atitude digna de um traidor. E os inocentes (serão mesmo?) tombam sem chance de defesa, totalmente descartáveis. Será mesmo que vale tudo pelo poder? Se depender da mensagem de Clooney nesse filme, o mundo fica um pouco mais insuportável diante dessa inevitabilidade.

Tudo pelo Poder
Nota: 9.0/10

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Wesley Prado é recifense, leonino, quase jornalista e nostálgico. Lembra da queda do Muro de Berlin. Simplesmente louco por quadrinhos, RPG, livros e cinema. Criador do Caixa da Memória, mas humilde demais para querer ser chamado de deus ou papai.

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