Texto publicado na coluna O Papo é Pop, do Portal NE10
Por Miguel Rios
Nossos ingredientes da semana: universitários, policiais, drogas, repressão, protesto, tumulto, política, ideologias, opinião pública. Dá para fazer uma bela receita midiática: estudantes ao molho. Apimenta, maneira no sal, troca isto e aquilo de lugar e enfeita. Monta e entrega. Toma aí, povo! É para você!
É para você mesmo. Para você degustar e ver se aprova. Aproveite enquanto está quente.
Alunos da USP + PM + maconha + reitoria invadida + prisões + um pouco de sangue + apoios e contestações = prato cheio. A mídia adora, a audiência gosta. Você gosta, quer julgar, tomar partido.
Você quer decidir quem são os mocinhos e os bandidos. Exercer a tendência natural de dividir tudo em bem e mal.
Mas não há apenas uma maneira de contar esta história. Ela é de entendimento aberto. O confronto pode ser chamado de estudantes x PMs, oposição x governo, drogados x trabalhadores, revolucionários x autoritários.
Possível sinopse: o maconheiro sem vergonha que acha inadmissível ter que se conter em dar uma bola desafia o PM cumpridor do dever que zela pelo espaço público.
Outra: o estudante que não roubou, nem matou ninguém. Só estava na boa dando uns tapinhas, na paz, com alguns parceiros e foi arbitrariamente abordado por quem deveria estar atrás de bandidos de verdade. Algemado e preso, por coisa pouca, contou com o apoio de muitos indignados, também tratados de forma aviltante pelos policiais.
Verdade dificilmente é única, sem escapatória. É uma escolha. Confeccionada com omissões, ênfases, conveniências, meias verdades e informações podadas. Depende do contador. De quem vai pegar isso, descartar aquilo e dar uma direção, um molho especial que fará toda a diferença.
Nem de longe será uma narração seca, bula de remédio, incorruptível, imparcial. Sem chance. Não há imparcialidade na mídia. Em nenhuma delas. Corporativa, de médio porte, pequena ou particular.
Da grande rede de TV à rádio comunitária, da revista semanal de alta tiragem ao jornal de bairro, do blogueiro de mais de três milhões de acessos ao humilde tuiteiro de cem seguidores, nunca há neutralidade.
Por mais que se queira ter, por mais que se tente, por mais que se queira parecer ter, por mais que se ache ter, não há. No destaque na chamada do telejornal, no tamanho da letra na manchete, no que é capa de revista ou nota, no contexto emocional da foto, no nível de raiva do artigo opinativo, na sutileza nas alfinetadas, na piadinha que parece inocente, há juízo de valor.
Com maior ênfase em um fato, menos em outro, com paixão aqui, razão ali, convicção, boas ou más intenções, até apatia vez ou outra, se arma a mensagem. E o público acredita, descrê, reclama, desdenha, faz o que quiser, mas não escapa ileso.
O Caso USP é emblemático:
O lado contra os rebelados foca na maconha, na ilegalidade das drogas, na desobediência civil, nas paredes pichadas, na reitoria revirada, no cavalete atirado contra os policiais.
Lembra os assaltos constantes e a necessidade de segurança, que o dia a dia de aulas continua com aqueles que querem estudar. Mas omite, minimiza, que mesmo com as patrulhas lá dentro um rapaz foi assassinado, de que o desgosto com a reitoria era antigo, as denúncias de corrupção eram fortes, os problemas eram muitos.
O do contra mensura as palavras. Autoritarismo e brutalidade policial de jeito nenhum, democracia e respeito à lei sempre. Usa o termo invasão e não ocupação. Pede opiniões a pessoas adequadas, pesca citações que endossem a tese. Enfatiza que os descontentes se resumem a meninos mimados, esperneando por terem sido contrariados, intocáveis que se acham. Frívolos e egocêntricos.
O lado a favor dos resistentes foca na liberdade de expressão, na violência policial, na legitimidade dos manifestos, nas imagens dos cassetetes, dos garotos arrastados, sangrando.
Lembra da insegurança mesmo com a polícia dentro do campus, que os alunos estavam há muito descontentes com as atitudes arbitrárias da reitoria, que universidade é lugar de livre pensar e a PM lá vira um modo de intimidar. Mas omite, minimiza, que, se a situação era tão insustentável, o latrocínio no estacionamento da FEA seria um estopim bem mais genuíno e menos fútil para se armar protestos.
O a favor mensura as palavras. Tumulto e indisciplina de jeito nenhum, consciência da juventude e luta contra o capitalismo sempre. Usa o termo ocupação e não invasão. Pede opiniões a quem sabe ter as mesmas posições, pesca citações que endossem a tese. Enfatiza que os não rebelados são mauricinhos e patricinhas não politizados e covardes. Frívolos e egocêntricos.
É briga de cães, atracados por um osso: a opinião pública. Cada qual posando de senhor da razão.
Os grandes ditando regras sutis, com seu aparato tecnológico, suas altas produções, seu poder de alcance, sua indiferença com as mídias menores.
Os menores com seu tom messiânico, panfletário, suas acusações para tirar a credibilidade dos grandes, a duvidosa defesa de que estão comprometidos somente com o povo, de que não escondem nada, ditando regras sutis.
Cada mídia com seus interesses, suas raízes partidárias, com sua gana por formar mentalidades. Rasas e/ou monocromáticas, salientam vantagens, escondem o inconveniente, acusam de mentirosos os contrários, atacam adversários políticos, favorecem aliados.
Cada qual com seu senso comum, seu maniqueísmo, de pouco ponderar e muito incriminar. Raros os que buscam mais peças, ver erros e acertos, lá e cá, para concordar e divergir. Não para agradar grupos ou cooptar corações e cérebros. Não pela verdade absoluta, pela imparcialidade (estes mitos), mas para abrir os horizontes.
Toma aí, povo! Os pratos estão quentinhos todos os dias. Os garotos da USP estão servidos. São para você! Prove e escolha. Fique com a verdade que te é mais agradável. Teu direito. Mas saiba que tem um titereiro puxando as cordinhas, para te manipular, te fazer de hospedeiro. E, pior, com sua permissão.
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