terça-feira, 22 de novembro de 2011

[Psicotrópicas] Cabo das Tormentas


Para dobrar o Cabo das Tormentas, é preciso superar o medo. Do desconhecido, do impossível, do invencível. Eis-me aqui nesta linha derradeira, onde o juízo encontra o fim e a loucura toma conta. Prestes a cometer um ato que certamente destruirá aquilo que conheço por felicidade…

Chove forte. Um aguaceiro tremendo. O carro tornou-se uma arma em potencial na maliciosa equação que junta asfalto molhado, pouca visibilidade e 80 km/h numa mesma expressão. Olhei para ela e disse:

-Acho que não vai dar pra chegar em casa…
-Mas tem que dar! Liguei pra casa avisando que chegava antes das onze.
-Pois olha só em frente – falei, indicando a pista com uma das mãos. Tá tudo água. Esse carro vai terminar virando um bote.

Não menti a respeito das condições da pista. Uns duzentos metros adiante, a pista fazia um declive e virara uma imensa poça, prendendo muitos carros quando chovia daquele jeito.

-Então, faz o arrudeio, vamos contornar essa pista.

Aqui começaram as mentiras. Encostei o carro, para poder falar com ela direito.

-Nem pensar! Essa ERA a pista mais segura pra voltar. Se for seguindo a estrada pra pegar a subida lá embaixo, vamos dar em outro “laguinho” desses, e se retornarmos, a pista de fora tá congestionada e bloqueada por conta do acidente, lembra?

Na verdade, havia outros caminhos… Mas além de não conhecer alguns, queria prender-me ali, naquela situação, até que ela ficasse sem saída.

-Bem, dormir na rua é que não dá. Só se…
-Se o quê, menino? Vamos parar o carro num posto e esperar o dia amanhecer?
-Não, minha querida; tenho uma alternativa melhor. Um pouco onerosa, verdade, mas bem melhor.
-Tá, o que sugere?
-Bem… Tem um motel perto dessa pista, não dá mesmo pra passar além, por trás dele, porque do outro lado continua o alagado, então…

Ela me olhou meio de lado, até encarar-me totalmente. Era um olhar de curiosidade e descontentamento.

-Como assim, “motel”? Tá pensando besteira, é?
-Garota, pelo amor de Deus! É só pra dormir. Chegando lá, ligue pra sua casa e avise que não tinha como chegar em casa nesse pé d’água!
-Como que eu vou dizer a minha mãe que vou dormir num motel porque não tive como chegar em casa, hein?
-Melhor do que você dizer que não está conseguindo chegar, mas que vai continuar tentando, com essa chuva toda!
-E vou dizer que estás comigo, é? Já pensou nisso?
-Na verdade, já: basta dizer que está sozinha.
-Eu disse a ela que peguei carona contigo…
-Simples, diga que ficamos em quartos separados.
-Era uma boa mesmo isso.
-Só que não dá pra fazer isso na prática. Sai muito caro. Ficamos no mesmo quarto, ligamos pra nossas casas dizendo o que houve, mas sem citar o fato que vamos dormir no mesmo quarto. Pronto.

Ela parou, pensativa. Estava quase cedendo, podia notar na expressão dela. Só mais um pouco e…

-Tá bem. Aceito esse plano. Vamos, então.

…Bingo…

Chegamos no tal motel. Não era uma espelunca, pelo contrário. Quartos confortáveis, decoração agradável, e acima de tudo, limpo, muito limpo. Sem contar que a cama era enorme. A suíte que escolhemos era simples, só era mesmo a cama, um sofá, uma mesa com quatro cadeiras, frigobar, tv, som, e banheiro com chuveiro elétrico. Não havia banheira, hidromassagem, nenhuma excentricidade dessas.

-Bem que a gente podia ter pego a suíte com hidromassagem, né não?
-Você discordou por pensar que isso nos faria transar…
-É, eu sei, mas agora, nesse friozinho, ligava a água quente, ia ser gostosinho…
-Infelizmente, não dá pra mudar. A única água quente que vamos ter é a do chuveiro.
-Quer tomar banho antes de mim?
-Hum… Que bom saber que ainda existem cavalheiros no mundo.
-Não é cavalheirismo não… É que eu sei que você teve um dia mais puxado que o meu…

Ela fez aquela cara de “ah, como você é chato!”, que sempre faz quando eu subverto algo que ela diz achando ser a verdade.
De toda forma, ela terminou tomando banho antes de mim. Antes de fechar a porta, ela também aproveitou para me tirar do sério: ficou atrás da porta e, já sem calça, colocou uma das pernas através da fresta que deixou. Mostrou-me até metade da grossa coxa. Subia e descia, alisando a porta. Depois, esticava-se toda, repentinamente, e me fazia ainda mais abrir os olhos e prestar atenção. Eu não resisti e fiquei hipnotizado por aquela perna tão sedutora, tão mágica. Por fim, ela recolhe a perna, fecha a porta, e eu ouço um riso dela. Bati palmas em sinal de aprovação.

-Gostou? Memorize bem, pois eu não repito apresentação não, ouviu?
-Tem certeza? Olhe, que quando o público gosta muito, pede bis…

Ela deu outra risada. Devia estar radiante, claro. Se tinha alguma coisa que gostava era de se sentir desejada, de se sentir maravilhosa aos olhos de um homem. E quanto mais envolvida com o tal homem, melhor. Bem, éramos apenas amigos, mas eu já nutria sentimentos mais fortes por ela há bastante tempo. E sabia que ela também já sentiu algo semelhante por mim, num passado não muito distante

Enquanto ela tomava banho, tirei a camisa e os sapatos. Apesar da chuva forte lá fora, eu estava suado e um tanto cansado. Não há melhor remédio para o cansaço que aliviar os pés dos sapatos, livrá-los o quanto antes, permiti-los respirar aliviados. Tirei as meias e coloquei-as dentro dos sapatos. Não sei por que, mais notei que me sentiria ridículo caso ela me visse com as meias. Sensação estranha, não? Coisas da minha cabeça. Ri do meu próprio pensamento ridículo. Peguei uma bebida no frigobar e liguei a TV. Zapeei os canais em busca de algo que prestasse. Parei num desses canais pornôs de pay-per-view. Na tela, uma morena estonteante nadava nua, toda performática numa piscina com cascata. Era um mulherão, toda curvas, nádegas enormes, seios grandes e firmes, mas não exagerados. Lábios capazes de queimar. Depois de deslizar pelo fundo da piscina, como sereia que já nasceu sob as águas, a mulher sentava-se na beirada e se exibia para a câmera, tocando seios, clitóris, coxas, púbis, boca, barriga… Um corte na cena e ela aparecia debaixo da cascata, molhando o corpo, um poço de prazer, e chamando com o indicador, olhando diretamente para a câmera. Sentia-me capaz de atravessar o visor e aparecer do outro lado, junto àquela mulher… Na verdade, havia uma mulher, havia uma morena. E ela estava tão próxima…

A porta do banheiro se abriu, ela havia terminado o banho. Rapidamente troco de canal. Ainda bem que o volume estava baixo, bem baixo. Ela olha para mim e me diz:

-Sua vez, amore… Hum, tirou a camisa por quê? Num tá sentindo frio, não?
-Tava cansado. Dá um desconto, né? A gente vai só dormir, mas num precisamos ficar vestidos. Estou errado?
-Vai, menino, foi só pra te aperriar.
-Mas tu é chata, visse?

Ela olha pra mim e, levada, me dá uma língua.
Eu entrei no banheiro. E lá, com a porta fechada, pensei sozinho o quanto realmente estava cansado. Apesar das intenções com que dei entrada neste hotel, o dia fora estafante, um peso. Olhei-me no espelho, buscando a porção de meu eu cujo sangue fervilhava de desejo por ela, louco para ter A noite, mas o que eu mais via era um rosto inchado e pedinte de descanso. Lavei meu rosto – quem sabe eu despertaria um pouco – e fui enfim tomar banho. Nu, enquanto a água fria escorria por mim, comecei a relaxar e a perder o senso do ambiente. Fiquei parado enquanto meus ouvidos ficavam surdos com a água derramando-se ao redor deles. Talvez por isso não tenha ouvido a porta abrir-se.

Senti mãos delicadas tocando minhas costas, rapidamente deslizando em mim, e quando percebi, ela estava agarrada às minhas costas. O susto foi inevitável, tal o meu transe, mas a sensação era deliciosa. Senti que estava nua, seus fartos e macios seios roçavam em minha pele. Sua cintura colava a minha, e eu podia sentir seu púbis bem colado a minha coxa direita. Peguei em suas mãos no mesmo tempo em que ela agora contornava meu corpo e se posicionava bem em frente a mim. Seus cabelos começaram a se molhar, e a água descia em seu rosto. Ela abraçou-se de novo comigo, agora frente a frente. Foi o abraço mais forte e sincero que tinha recebido até então. Por um breve momento, entramos em transe os dois, e nos arrepiávamos com a frieza da ducha. Os bicos de seus seios me cutucavam.

Desliguei a ducha, puxei a toalha e enxuguei o corpo dela enquanto ainda estávamos abraçados. Ela retribuiu o gesto. Quando terminamos, larguei a toalha. Ela ergueu a vista e nossos olhos se encontraram: era visível a sua emoção. Com um movimento, a ergui nos braços, e a levei assim, como um marido entrando no quarto, na noite de núpcias, carregando sua esposa. Assim, nus, saímos do banheiro, só parando aos pés da cama. Desci-a de meus braços, deixei-a no colchão. Ela flexionou os joelhos para ficar numa altura mais próxima a minha. Beijou-me na boca, um beijo que nunca, jamais esquecerei. Assim beijando, deitou-se e me puxou para acompanhá-la no movimento, ato simultâneo. Completamente deitados, repetimos o abraço do banheiro e nos aconchegamos um do outro. Envolvidos dessa forma, ficávamos a nos mirar, olhos fixos no olhar do outro, captando detalhes do rosto, antes sem importância, mas que agora enchiam nossos corações de amor e desejo, uma mistura sensual, orgânica e explosiva.

No entanto, não passamos disto: admirarmos e acarinharmos um ao outro. Alisava o cabelo dela, enquanto ela percorria meu peito com a ponta dos dedos, de um lado para o outro. Eu percorria suas costas e ela o meu rosto e minha cintura. Massageamos um ao outro. Beijamos o pescoço, o rosto, a boca… Beijei aqui e ali seus seios. Ela também beijou no meu peito, deu umas mordidinhas. Mas o mais gostoso, creiam, era quando nos abraçávamos. Nossos braços puxavam nossos corpos, nossas pernas se entrelaçavam. Nossos sexos se tocavam; eu, absolutamente excitado, sentia-me ereto, roçando nela, sentia-lhe molhada, e mesmo assim, tão tentadoramente perto, não consumamos o ato. A noite toda, dois corpos nus se enrodilharam fogosamente e no entanto, nenhum sexo. Tudo que nos impedia era a certeza de que seguir adiante significava destruir dois mundos, duas histórias. E no entanto, isso não nos continha totalmente. Nossas libidos se satisfizeram com tais carícias. Era isso mesmo: prosseguir significaria o desejo de mais e mais e mais, e tal coisa não duraria para sempre. Alguma hora, tudo vazaria, a represa deste segredo esborraria, varrendo tudo pela frente. Era melhor desse jeito, se era pra ser de algum jeito.

Depois de um tempo, simplesmente adormecemos juntos, nos acariciando levemente. Eu alisando a cabeça dela e ela girando o indicador sobre o meu peito. Foram longos momentos de felicidade mútua, dois seres completos e em puro êxtase.
Amanhã? Será outro dia. Outro Cabo das Tormentas a vencer. Acordaremos, veremos o sol erguido na pintura azul do céu e sorriremos, pois a vida nos deu uma oportunidade única de um contanto tão profundo, sem, no entanto, nada nos tirar. Isso que é uma benção.

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